domingo, 3 de março de 2013

O INÍCIO DO FIM – ENFIM

Resenha de Augusto Nunes, publicada em edição impressa de VEJA

O INÍCIO DO FIM – ENFIM
Não há tribunal capaz de iluminar da noite para o dia a face escura de um país. Mas, como demonstra Merval Pereira em seu livro sobre o mensalão, o Supremo acendeu irrevogavelmente os holofotes
Numa paisagem infestada de repórteres invertebrados, críticos construtivos, colunistas estatizados e analistas que combatem valentemente quem ousa discordar do governo, o espaço ocupado por jornalistas nascidos sob o signo da independência e condenados a amar a verdade acima de todas as coisas parece perturbadoramente acanhado.
É mesmo diminuto, mas não há motivos para inquietação.
Os integrantes dessa linhagem nunca foram muitos.
Mas cada um vale por uma multidão, comprova Merval Pereira em Mensalão – O Dia a Dia do Mais Importante Julgamento da História Política do Brasil (Record; 285 páginas; 34,90 reais).
“O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”, ensinou Cláudio Abramo. É o que Merval tem feito há mais de quarenta anos, ao longo dos quais brilhou como repórter de campo ou exercendo cargos de chefia nas Organizações Globo, no Jornal do Brasil e em VEJA.
É o que faz todos os dias em sua coluna em O Globo e nos comentários para a Globo News e para a rádio CBN.
O Supremo revogou a norma não escrita segundo a qual alguns são mais iguais que outros
Foi o que fez durante os quatro meses e meio em que milhões de brasileiros acompanharam – primeiro com ceticismo, depois com esperança, enfim com justificado entusiasmo – o julgamento da quadrilha que tentou a captura do Estado democrático de direito até ser desbaratada em meados de 2005.


Aos 63 anos, eleito há quase dois para a Academia Brasileira de Letras, o jornalista carioca reconstitui essa metamorfose fascinante no livro que reúne 86 artigos publicados na página 4 de O Globo, precedidos por um pedagógico prefácio do ex-ministro Carlos Ayres Britto e completados por dois textos inéditos que induzem o mais descrente dos leitores a acreditar que o Brasil nunca mais será o mesmo.
Começou a mudar – para melhor. Como adverte o posfácio, nenhuma decisão judicial é capaz de iluminar da noite para o dia a face escura de um país. Se no Brasil Maravilha que Lula inventou é possível até erradicar a miséria por decreto, no Brasil real os avanços são mais demorados. O Supremo não erradicou a corrupção. Ao condenar uma organização criminosa comandada por figurões federais, contudo, revogou a norma não escrita segundo a qual alguns são mais iguais que os outros, embora todos sejam iguais perante a lei.
O brasileiro corrupto não virou uma espécie extinta
Ao contrário do miserável-brasileiro, o brasileiro corrupto não virou uma espécie extinta. Mas ninguém mais pode considerar-se condenado à perpétua impunidade.
Veja-se o escândalo protagonizado por Rosemary Noronha e seus comparsas. Um jipe doado a um dirigente do PT por serviços prestados a uma empresa privada, exemplifica Merval, “equivale à operação plástica para a chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, em troca talvez de uma audiência marcada”.
Nem existem diferenças notáveis entre arranjar emprego para a ex-mulher do político poderoso e premiar com um cruzeiro marítimo a secretária que diz que conversa com o ex-presidente todos os dias. O caso Rose sugere que o país é o de sempre. Visto de perto, informa aos gritos que as coisas mudaram.
Lula enxergou subordinados obedientees onde havia juízes honrados
Há um ano, como relata Merval Pereira, Lula estava em campanha para adiar o julgamento do mensalão ou absolver todos os culpados. Confiante no apoio de gente que nomeou, como o presidente Ayres Britto ou o relator Joa­quim Barbosa, enxergou subordinados obedientes onde havia juízes honrados.
Decidido a ganhar de goleada, recorreu à chantagem para enquadrar Gilmar Mendes.
A vítima do achaque contou o que acontecera e Lula preferiu acompanhar o julgamento pela TV Justiça. Surpreendido pela descoberta das bandalheiras de Rose, está em silêncio há mais de três meses. “Depois do julgamento do mensalão, há mais chance de o poderoso de plantão, apanhado com a boca na botija, pagar por seus crimes, até mesmo na cadeia”, constata Merval.
É verdade, confirma a estridente mudez de Lula.

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